Sábado, 19.02.11

Mais uma decisão...

 

Durante dois anos, diz a Yelena, ganhou muito dinheiro mas que, mais uma vez, o Fidel Castro lhe acabou com a possibilidade de o ganhar trabalhando arduamente. Aqui, com graça, diz que mais uma vez lhe apeteceu”cortar-lhe a cabeça”! Isto aconteceu porque o governo de Cuba decidiu liberalizar as comunicações telefónicas com os EUA e assim os seus serviços deixaram de ser necessários, portanto o seu negócio acabou!

 

 Com o dinheiro que juntou tomou novas decisões: tirar de Cuba a mãe, o marido desta e os dois meios irmãos já então jovens adultos  (não sei até agora pormenores dessa saída) e ir tirar um curso que lhe pudesse garantir um ordenado, como ambicionava. Para isso havia que decidir-se por sair de St John … assim chegou a Montreal.

 

Montreal é Quebec e, no Quebec não tens emprego se não falares francês e portanto há que aprende-lo… felizmente os cursos de francês para imigrantes eram gratuitos, isto como meio de fomentar a francofonia e assim a Yelena venceu mais uma barreira! Segue-se a escolha de um curso e mais uma vez ela toma uma decisão pensada! Disse-me ela: “sempre pensei que não seria uma profissão agradável passar os dias a olhar para dentro da boca dos clientes, mas também sabia que aí eu teria garantia de emprego!” Portanto nada de hesitar e mais três anos na Universidade de Montreal (aqui há muito que a generalidade dos cursos universitários só têm três anos), diploma na mão e emprego assegurado. Trabalha durante vários anos mas verifica que ainda precisa de mais alguma coisa…falar inglês correctamente.

 

Realmente "este" Quebec tem este paradoxo, se não sabes falar francês não arranjas emprego mas por sua vez só tens um emprego bem remunerado se falares inglês!! Assim decide fazer uma pausa de seis meses no trabalho e  fazer um curso intensivo de língua inglesa... e foi aí, no Colégio Platon e nas aulas do Siamak que eu a encontrei!

 

Garanto a todos os que me lêem que foi um privilégio ter conhecido a Yelena e embora dentro de dois meses o meu regresso a Portugal seja um facto, tenho a certeza que esta amizade que fiz perdurará…

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Quinta-feira, 17.02.11

Aeroporto de St John, e agora?

  

A Yelena não conhecia nenhum dos cubanos que tentaram a sua sorte, porém depois de sair do esconderijo verificou que os seus “companions de route” eram seis e segundo ela todos eles cheios de medo do desconhecido… resolveu então tomar o comando das operações: dirigem-se ao guichet da Imigração e ela, sempre ela, explica a sua situação, os outros apenas acenam com a cabeça. No seu fraco francês explica que é cubana e que quer ficar no Canadá entremeando a conversa com os motivos… Passam então aos procedimentos legais: tirar fotografias, registar as impressões digitais, receber orientações práticas  para começarem uma nova vida, mais um cheque de 5000 dólares para as primeiras necessidades ( alojamento, roupas…) e a garantia de 1000 dólares durante um ano ou até arranjarem um emprego. A Yelena garantiu-me que só pensava que estava a sonhar, e o caso não era para menos!

Isto aconteceu há uns 18 anos, hoje é bem diferente a não ser que proves que és perseguido político!

Muito rapidamente e graças à sua determinação arranjou emprego como baby-sitter  para cuidar de três crianças, nada fáceis segundo ela. O casal era um casal de artistas, ela era actriz e ele músico pop, daqueles todos tatuados, acrescenta também. As miúdas habituadas a fazer tudo o que queriam, vivendo numa casa permanentemente desarrumada, não era nada fácil  para quem vinha da disciplina cubana, mas assim se aguentou dois meses…

Porém para quem é tenaz não há montanhas que não se possam mover e então deixou  as crianças pois gizou uma maneira de ganhar mais dinheiro embora à custa de noites muitas vezes com apenas duas horas de sono!

 Vejamos como ela arranjou o seu negócio. Na altura o regime do Fidel Castro não permitia chamadas telefónicas entre Cuba e os Estados Unidos onde estavam a maioria dos exilados cubanos e então para as famílias se falarem os telefonemas faziam-se via Canadá.

 Assim ela, em St John, tornou-se “telefonista” e arranjou forma de conectar os cubanos da sua Ilha com os do continente através do seu telefone, estivessem os cubanos em que parte dos EUA estivessem. Assim os cubanos da Flórida, da Califórnia ou de qualquer outro lado, ligavam para a Yelena em St John e esta ligava-os aos seus em Cuba. Diz ela que devido à diferença horária com a Califórnia muitas noites eram passadas em branco e lembra também que ,devido à rudimentaridade do sistema, não podia de deixar de ouvir as conversas e que não sabe quantas vezes chorou com eles...

 

 Fez muitos amigos que nunca conheceu mas que passaram na sua linha…

 

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publicado por naterradosplatanos às 23:13 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Segunda-feira, 14.02.11

De Moscovo a Havana com paragem em St John da Terra Nova

 

Em países onde o cidadão não é livre a imaginação (que permite a sobrevivência) é grande…  pouco a pouco vão-se gizando ideias, pondo-se hipóteses, abandonando umas e recuperando outras. Ideia final: conseguir uma licença de saída para fazer uma visita de 15 dias a uns “parentes” algures em S.Petsburg… passaporte e licença conseguidos, passagem de ida e volta comprada!

 

 Com a ansiedade que podemos imaginar a Yelena embarca na AiR CUBA e depois de duas escalas para abastecimento, St. John e Bruxelas aterra em Moscovo, daí parte de comboio para as tais férias para que teve licença!

Os 15 dias passam depressa, novo regresso a Moscovo, novo embarque, nova escala em Bruxelas, mais outra em St John e… aí à mão a liberdade!

 

O avião aterra, os passageiros saiem, uma hora tempo necessário para abastecer… nova chamada para embarcarem, o tempo passa e de novo chamam e mais uma vez anunciam o nome de sete passageiros que faltam…um deles é o de Yelena Gutierrez que, escondida na casa de banho espera, “com o coração na boca”, que desistam e o avião levante voo em direcção a uma terra que ela não mais quer pisar…

 

 

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publicado por naterradosplatanos às 16:44 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Sábado, 12.02.11

Eu, o Matias e o Siamak ouvimos em silêncio…

  

Fui criada desde os nove anos num lar para raparigas em Havana e de lá saí com 18 anos…assim começou a Yelena a sua história…

 

Só se lembra de ver o pai duas ou três vezes, de ter medo da cara dele e de se sentir aterrorizada pelo seu aspecto… no lar a disciplina era militar, tudo funcionava ao centímetro e ao minuto, mas diz ela que, se na altura isso era difícil, hoje acha que essa disciplina fez dela a pessoa ordenada, organizada que hoje é... mas o pior, segundo disse, eram ainda as saudades da mãe!

Na escola aprendeu ballet durante seis anos e são as aulas de dança e os espectáculos as melhores recordações que trouxe  de Cuba…Recorda também com alguma nostalgia o tempo que viveu no campo com a avó, entre os patos, as galinhas, os coelhos e a horta.... tempo que corresponde ao tempo antes de entrar, aos 9 anos, para o  lar de raparigas em Havana e de onde saiu, com disse, aos 18.

 

Durante este tempo a mãe casou de novo e deu-lhe dois meios irmãos…

 

Arranjar um emprego foi o que se seguiu e a sua sorte começou aí…Na Cuba dessa altura só havia duas hipóteses, trabalhar para o Fidel Castro ou conseguir emprego num hotel para estrangeiros e  foi o que aconteceu. Assim a Yelena tinha a seu cargo a botique de um deles, primeiro como simples balconista depois como gestora da mesma, encarregada das encomendas e da contabilidade... Ganhava em dólares e trabalhava num ambiente que ela designou por “heaven”! O dinheiro que ganhava, muito a cima de qualquer vulgar cubana, tinha dois destinos: ajudar a mãe e os irmão e esconder algum para fazer uma pequena poupança…

 

E foi essa poupança que lhe permitiu a liberdade…

 

 

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publicado por naterradosplatanos às 20:29 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Quarta-feira, 09.02.11

“Garbanzos en Potaje” na casa da Yelena

 

Como já disse, não há (para além da poutine) comidas tipicas desta terra, portanto a Yelena fez para o nosso almoço uma tipicamente cubana, “garbanzos en Potaje”.  Uma delícia! É um estufado de grão de bico com um molho grosso todo à base de legumes e onde as proteínas animais se resumem a umas tirinhas de “jamon”. Depois ainda havia ”chopsuey” de porco mas que eu não quis preferindo repetir os “garbanzos”. Terminamos com um chá e uma fatia do universal pudim de ovos.

 

Como a conversa corria fluida, no nosso inglês (recorrendo ao francês ou ao espanhol quando necessário) e entre receitas culinárias e  outros assunto domésticos perguntei à Yelena quantos anos tinha  e ela respondeu-me: “guess you”! Pelas contas que eu tinha feito pensei que teria aí uns 38, 39 anos mas não, e embora não pareça, quer pelo aspecto, quer pela jovialidade, tem 45, 46 no próximo Outubro!

 

Mais me disse que viveu com o José António (tentem lê-lo em espanhol, substituindo o J pelo G) durante doze anos e  a ele se refere sempre como “o meu ex-marido” embora o não fosse de papel passado. Separaram-se há dois anos e, segundo a Yelena, porque se tornou uma pessoa difícil e  que ela sentia que estava a dar tudo sem receber nada…O José António é Engenheiro Mecânico e já se conheciam em Cuba…diz ela que, pesando as coisas, não lamenta… ficaram amigos e é quanto basta segundo ela. Não terem filhos facilitou a coisa!

 

A Yelena é de profissão higienista dentária, curso para-médico e sempre ligado ao de dentista: primeiro diagnóstico, limpeza dos dentes, moldes, manutenção dos aparelhos de ortodontia…é da competência destes, o dentista (médico) só entrevem no mais complicado. Segundo ela não há ( ao contrário dos dentistas que aqui, tal como aí pululam como cogumelos) falta de emprego e além disso bem remunerados. No caso dela, mais ou menos $32 /h ou então $ 30, 35 mil por ano. Nunca ouvi falar em ordenado mensal! Mas este é o uso no cálculo das remunerações…

Entretanto aproximavam-se as horas da nossa aula de conversação e à distância de 15, 20 minutos fica a Escola.

 

Nesse dia só éramos três, eu a Yelena e o Matias, italiano de Roma, 30 anos, engenheiro de som que veio para Montreal onde o emprego na área é fácil. Perante apenas três alunos o Siamak deve ter pensado que não teria interesse o modelo de aulas que é costume. Não é que, pura coincidência, a aula veio de encontro ao que eu gostava de saber mais sobre a Yelena, mas que não tive a coragem de perguntar?!

Assunto de conversa: A nossa infância, a nossa relação com os pais, e o que gostaríamos, hipoteticamente claro, ver modificado.

 

A Yelena foi a primeira e entre a emoção e o realismo da sua história eu, o Matias e o Siamak ouvimos em silêncio…

 

publicado por naterradosplatanos às 13:42 | link do post | comentar | ver comentários (9)
Domingo, 06.02.11

Yelena: a minha amiga “cubana”

 

 

 

 

Conheci a Yelena nas aulas de conversação. O Siamak fez um grupo comigo, com ela e com a Maha (a egípicia de que já falei e que não voltamos a ver depois do começo dos conflitos no Egipto). Aos poucos fomo-nos conhecendo e as  conversas foram-se estendendo para lá da aula, mesmo estando cá fora -10 ou -12 ! Primeiro as conversas foram banais, comentários acerca da aula ou para ser mais exacta sobre o professor, o Siamak e da sua forma de nos manter interessadas, outras vezes alguma especulação sobre a vida deste Iraniano que ao longo das aulas aqui e ali vai falando de si… Depois a Yelena trouxe-me duas vezes a casa no seu caminho para a Downtown, noutras ocasiões falámos, ainda que superficialmente, das nossas vidas: porque tinha eu vindo frequentar as lições de inglês ou há quanto tempo tinha vindo ela de Cuba, nunca, até aqui, lhe perguntei a idade pois parecia-me muito jovem, talvez 37, 38 anos…e sempre me pareceu muito solitária.

A semana passada convidou-me para almoçar lá em casa e claro que eu aceite. Combinamos que eu iria de metro até De la Savanne e  lá, estaria ela de carro à minha espera.

 Na realidade ela vive longe do centro e, depois de eu muito insistir em ir pelos meus meios ficou assim resolvido.

 

A casa da Yelena é um pequeno apartamento num 1º andar de um bloco de apartamentos á beira de uma das auto-estradas que entram na cidade e para ela o único inconveniente. 

 Chegadas à porta, o ritual a que já me habituei, descalçar as botas que por sistema estão sempre enlameadas, deixá-las logo à entrada numa espécie de tabuleiro raso que se vende para o efeito e assim se evita que dentro de casa se faça uma poça de água e de lama.. Eu levei na mochila as minhas “croks”, mas senão tinha umas chinelas novas à minha espera …

A casa é muito alegre e bem decorada, a cozinha pequena e lá estavam o fogão e o frigorífico “Frigidaire” tal  qual como vemos nos filmes quando se trata de uma casa americana… 760 dólares canadianos de renda mensal, inclui aquecimento e lugar de garagem.

 

Como noutro post disse a Yelena nasceu em Cuba de onde saiu com 28 anos, hoje é cidadã canadiana e permanentemente bendizendo a liberdade de que goza, mas esse tempo marcou a sua personalidade… digo mesmo que é a pessoa mais interessante que  encontrei até hoje!  

 

p.s. da próxima vez eu explico porquê.

 

 

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publicado por naterradosplatanos às 20:48 | link do post | comentar | ver comentários (12)

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